Como alguns dos meus assinantes entendem mais do assunto de hoje do que eu, começarei essa edição deixando claro que estou sempre aberto a correções e a sugestões de melhoria, não só dessa vez mas sempre.
Ficção Científica é um dos meus assuntos favoritos. Eu considero fascinante a Ciência que margeia os limites do que conhecemos, como na seara da Inteligência Artificial ou da exploração espacial. Mas também curto refletir sobre os subgêneros, ler obras teóricas que resgatem as origens do gênero literário ou mesmo discutir sobre qual teria sido a obra inaugural deste.
Então desde antes de começar essa newsletter eu já sabia que falaria sobre Ficção Científica (FC, Sci-Fi, vamos alternar, né?) de vez em quando. Há vários anos eu decidi mergulhar um pouco mais nesse mundo e desde então passei a ler mais livros, ver mais filmes e séries, quando se trata de FC. Claro, a gente nunca chega lá. Mas ao mesmo tempo é bom saber que ainda tenho clássicos pela frente.
Definir Ficção Científica não é uma tarefa muito simples. Há quem foque no aspecto tecnológico, já outros preferem falar de imaginação, de futurologia, e ainda alguns das técnicas ou aspectos abordados na escrita. Todas as definições que já vi contêm falhas, são incompletas. Há aqueles que definem a Ficção Especulativa como aquela que trata de aspectos alheios à nossa realidade, ou seja, que especula sobre possibilidades. E esta conteria em si o Horror, a Fantasia e a Ficção Científica. Eu acho que apenas parte do Horror está dentro deste guarda-chuva, afinal há obras do gênero calcadas em situações completamente realistas, como assassinatos. Embora haja vários ramos lidando com espíritos, demônios e outros aspectos mais especulativos, o gênero vai além. Mas Fantasia e Sci-Fi de fato tratam de assuntos fora do Realismo, ainda que em alguns casos apenas marginalmente.
É importante observar que a classificação da Literatura (ou de obras audiovisuais) em gêneros por si só já carrega uma parcela de contradições, pois vários destes produtos artísticos trafegam por mais de um gênero. E em alguns casos a própria fronteira entre os gêneros é turva. Tomemos como exemplo Star Wars. Eu, particularmente, considero que se encaixe principalmente no subgênero Space Opera da Ficção Científica, mais caracterizado por aventuras no espaço. Mas é possível argumentar que os Jedis têm poderes sobrenaturais e que este fato tornaria a obra um exemplar da Fantasia.
Outro exemplo é A Princesa de Marte, do Edgar Rice Burroughs. Há um portal interestelar para Marte, algo bem característico da FC. Mas ao chegar lá o protagonista se envolve em uma trama muito mais na vibe Espada e Feitiçaria, o que o tornaria Fantasia. Quero ainda discutir Duna, do Frank Herbert. Planetas, viagens interestelares, civilizações alienígenas: elementos do Sci-Fi. Poderes paranormais, criaturas gigantes: elementos fantásticos.
Tanto A Princesa de Marte quanto Duna podem ser considerados Romances Planetários, que é um subgênero que de fato reside numa espécie de interseção entre o Sci-Fi e a Fantasia. Mas também podemos argumentar acerca de obras como Não me Abandone Jamais, do Kazuo Ishiguro. Há definitivamente um aspecto de FC na história, mas só o fato de eu não o revelar aqui por ser um spoiler importante já demonstra o quanto esse aspecto é sutil, embora fundamental na trama. De resto o livro é mais um drama com toques de romance e boas doses de ética e filosofia.
E já que falei do Ishiguro também cabe abordar o preconceito do mundo da Literatura com a Ficção Científica. Autores como ele, o Ian McEwan e a Margaret Atwood relutam em se assumir como eventuais escritores do gênero. Como se escrever FC fosse trabalhar com uma forma menor de Literatura. Não à toa a recente instituição do prêmio de Romance de Entretenimento no Jabuti. Ao mesmo tempo que é legal ver esse tipo de obra finalmente premiada, é triste que precisem ganhar na categoria alternativa porque na principal só cabe Alta Literatura.
Voltando ao assunto inicial, o da definição de Ficção Científica. De certa forma, eu creio que seja a ficção que lide com o futuro. Mesmo que não seja o nosso futuro, mesmo que se trate do passado, mas é um futuro diferente para aquele passado. Quando falamos de Steampunk, tratamos de uma história em que a época da Revolução Industrial clássica obteve tecnologias mais modernas mas usando o que tinham à época. Então é um futuro diferente para as pessoas de antes da época em que se passa. O Homem do Castelo Alto é um futuro diferente para a civilização após a II Guerra Mundial.
Mas sim, eu entendo que talvez seja confuso mencionar o futuro quando estamos falando de eventos no passado. Então pode-se dizer que é a forma de ficção que lida com extrapolações da Ciência, seja da produção científica do passado (como no já citado Steampunk), do presente ou do futuro. Uma distopia como 1984 extrapola alguma ciência? Talvez as ciências sociais? E uma História Alternativa, que apenas lida com a especulação do que poderia ter sido se determinado evento marcante houvesse alcançado um resultado diferente?
Podemos talvez definir pela eliminação. Se partirmos de toda e qualquer especulação e removermos aquelas mais afeitas ao Horror e as Fantásticas, com elementos sobrenaturais, o que restar é Ficção Científica. Será?
Não é meu objetivo aqui chegar a conclusões, só provocar a discussão. Então me digam, sobre que tema dentro da Ficção Científica vocês gostariam que eu falasse numa edição futura? Eu tenho vontade de abordar os subgêneros da FC, numa versão remasterizada de um texto que escrevi anos atrás no meu Medium. Também pode ser interessante uma roleta de recomendações. E pretendo tratar de obras específicas. Mas estou aberto a sugestões.
Você gosta de Sci-Fi? Mesmo que não curta robôs ou navinhas, o gênero abrange um leque tão grande que certamente haverá uma obra para cada um. Você quer ajuda para escolher uma história para se aventurar na FC?
Um Filme: John Wick 4: Baba Yaga
Eu gosto dos filmes sobre o assassino John Wick, vivido pelo Keanu Reeves, desde que a franquia começou. Mas eu nunca considerei revolucionários. Só ótimos filmes de ação. Qual não foi a minha surpresa ao sair completamente hipnotizado da sessão de cinema do quarto longa, aqui chamado de Baba Yaga.
O que o diretor Chad Stahelski alcançou aqui é pura poesia visual. São muitas longas sequências de ação, cada uma num cenário mais deslumbrante, filmada sob lentes com cores muito marcadas e trazendo batalhas ao mesmo tempo verossímeis e fantasiosas. Este filme tem a história interessante, os personagens bem desenvolvidos, as lutas épicas e o visual espetacular.
Fiquei muito impressionado com a criatividade de Stahelski e sua equipe para bolar a visualidade das cenas e a coreografia da ação. Há um aspecto reverencial à história do cinema, de Lawrence da Arábia a Matrix, passando por Kill Bill, jogos de videogame, clássicos do cinema de artes marciais de Hong Kong e faroestes.
Definitivamente um dos melhores filmes do ano.
Leia a minha opinião completa sobre o filme no Letterboxd: John Wick 4: Baba Yaga
Onde ver: nos cinemas
Outros filmes que vi recentemente:
Um Livro: Olhos de Pixel, de Lucas Mota
Falando em Ficção Científica, li recentemente o último vencedor do Jabuti de Romance de Entretenimento. Olhos de Pixel traz um cenário meio Cyberpunk para a realidade brasileira, mais especificamente curitibana. O Lucas é particularmente criativo ao construir o cenário, com uma proposta assustadora mas nem por isso fantasiosa. Há uma interseção mínima ali com Ninguém Nasce Herói, do Eric Novello, ao ter como vilão o fundamentalismo cristão militarista.
Leia a minha opinião completa no Goodreads: Olhos de Pixel
Um Jogo de Tabuleiro: Azul
Neste final de semana joguei com meus amigos Camila e Julio alguns jogos de tabuleiro, entre estes Azul, que tem esse nome por causa dos azulejos portugueses. Com uma dinâmica criativa, a ideia é preencher o máximo possível a sua parede com azulejos. A estrutura é simples, as partidas são rápidas, as regras fáceis de entender, mas é bastante divertido.
Um Podcast: Pistolando
Alternando episódios de entrevistas com convidados dos assuntos mais variados possíveis com episódios em que os hosts Leticia Dáquer e Thiago Corrêa comentam notícias boas, más e feias, o Pistolando é um dos podcasts do meu coração.
Tem um fator emocional, pois eu lembro da época de surgimento do podcast, dentro da Cracóvia, o antigo grupo do Facebook que surgiu como a recompensa por apoiar o AntiCast. E tem também a Pistolândia, a comunidade de apoiadores do podcast no Telegram, e que é um lugar maravilhoso, com pessoas incríveis e que eu passo o dia perturbando.
Mas à parte meu vínculo pessoal, o Pistolando é um podcast super bem produzido e ambos os formatos de episódios são interessantes: o de notícias pode demorar mais um pouco para cativar o ouvinte incauto, mas logo se torna uma parte essencial da rotina. E os de entrevistas trazem convidados muito diferentes, perguntas complexas e de fora do lugar comum.
O mais recente episódio foi sobre dicionários, uma entrevista com profissionais que trabalham no Dicio: https://pistolando.com/2023/03/pistolando-185-pai-dos-burros/
Uma Newsletter: Uma Palavra, por Aline Valek
A newsletter da Aline Valek é uma das que acompanho há mais tempo, desde antes de ser modinha ter newsletter. Também adoro o trabalho dela como escritora de ficção e como podcaster.
Em uma edição recente, Aline abordou suas aventuras ao tentar aprender alemão e se comunicar melhor em sua nova vida como habitante de Munique:
Tamo junto no barco de ter mais perguntas que respostas... mas não é essa a graça da vida? Essa questão de gêneros/subgêneros me interessa muito, tenho até uma teoria meio biológica sobre isso, mas ainda muito crua pra escrever/publicar.