Anos atrás eu escrevi no Medium sobre subgêneros da Ficção Científica. Eu pretendia abordar novamente esse assunto na newsletter, mas ao refletir a respeito, primeiro pensei que seria interessante uma reflexão sobre o que é um gênero e fui voltando e voltando até chegar nesse questionamento, sobre categorizar a arte.
Não vou tentar definir arte, confio que todos que me leem tenham uma noção do assunto ao mesmo tempo que é mais difícil explicar do que sentir. Assim como boa parte dos saberes do mundo, tudo surgiu na Filosofia. Com tudo eu quero dizer que sendo a Filosofia a disciplina-mãe, a base de todos os estudos e reflexões, a discussão sobre arte nasce com ela. Há registros de pensadores greco-romanos analisando esculturas e peças teatrais.
E é assim que surge a Crítica, que tem como função analisar uma obra de cunho artístico. Para fazer essa análise, é natural que haja comparações. “Determinada tragédia de Sófocles tem diálogos mais contundentes que a de Eurípides”. Mas talvez seja mais difícil comparar uma tragédia de Sófocles com uma comédia de Aristófanes. Claro, é possível comparar em vários aspectos, mas os estilos são diferentes. E essa certamente foi uma das primeiras divisões em caixinhas: tragédias X comédias no teatro grego.
Além de comparar, a Crítica também aponta características das obras. Determinada escultura é de mármore, é realista, é em tamanho real… E por aí vai. E quando agrupamos obras de características similares, estamos mais uma vez categorizando a arte.
Eu creio que a reflexão sobre a reflexão, ou seja, a consciência da Crítica como atividade-fim, tenha se expandido após o Renascimento, provavelmente no Iluminismo. E mais uma vez através da Filosofia, com pensadores como Kant se debruçando sobre a atividade crítica. Hegel, por sua vez, propõe uma divisão das artes em tipos, mais especificamente arquitetura, escultura, pintura, música e poesia, lista essa que foi expandida já no Século XX por Ricciotto Canudo para incluir a dança e o cinema, que é até hoje chamada de sétima arte. É mais comum que poesia seja tratada como literatura em geral, e há variadas classificações mais recentes, enquadrando a fotografia e os quadrinhos, por exemplo.
E em cada um desses tipos de arte há várias classificações, maneiras de dividir as obras em categorias. O período de produção é um desses potenciais classificatórios. O lugar de origem. O tema. O material de produção, se for, por exemplo, uma escultura ou obra arquitetônica. Ou a métrica, se estivermos tratando de poesia (como Shakespeare e seu pentâmetro iâmbico).
Então uma forma de responder à pergunta de porque categorizamos a arte é para poder analisá-la melhor. Se ela se encaixa junto com aquelas outras, eu já sei mais ou menos algumas das características que ela deve ter. E isso me ajuda até a ter uma noção prévia das chances daquela arte me agradar. Falou em cubismo, por exemplo, eu já fico com um pé atrás. Já o surrealismo me atrai um pouco mais, apenas para citar dois exemplos modernos.
Mas também podemos responder à indagação do subtítulo desta edição da newsletter simplesmente com um “porque gostamos”. Eu, particularmente, com minhas manias organizacionais, adoro a possibilidade de dar nomes às coisas, de categorizar o máximo possível. É reconfortante. Inclusive eu extraio tanto prazer de saber classificar as formas de arte, por exemplo, quanto de experienciá-las.
O importante é ter noção de que todas essas caixinhas têm divisórias permeáveis, fronteiras flexíveis. E também de que o comum é que obras de arte caiam em várias caixinhas ao mesmo tempo. E isso é ótimo, pois traz diversidade. A mistura das categorias leva à inovação.
O Gênero Literário
Platão e Aristóteles dividiram a obra literária da época em três gêneros: o lírico, o épico e o drama. O lírico seria a poesia mais reflexiva, etérea; o épico alguma história, normalmente contada usando estrutura poética (ou seja, uma epopeia) e narrando aventuras de heróis, deuses ou grandes batalhas; e o drama seria o material de origem para o teatro.
Então a primeira divisão concebida no ocidente para gêneros literários já mistura a forma (poesia X drama) com o conteúdo (lírico X épico). Nessa época ainda não existia a prosa, que seria mais uma forma. A própria prosa pode ser categorizada conforme sua extensão: microconto, conto, noveleta, novela, romance…
Mas o ponto que realmente quero abordar é a diferença entre emoções e cenário. Ao dividir os gêneros da prosa em romance (nesse caso o romântico, não pelo tamanho do texto), terror, aventura e comédia, apenas para citar alguns exemplos, estou categorizando pelas emoções que esses gêneros tentam provocar no leitor. Terror busca provocar medo, aventura excitação e comédia o riso.
Por outro lado, quando dividimos em histórico, fantasia e ficção científica, estamos falando mais sobre a ambientação da trama. O romance histórico se ambienta no passado, a fantasia num lugar imaginário e a ficção científica em um cenário futurista (seja na Terra, no espaço, em outras civilizações, etc.).
Há estudiosos da Literatura que defendem que gênero é apenas o que fala das emoções, e de fato a estrutura da obra deve mais a esses. Uma história de detetive costuma seguir uma cartilha que envolve um crime, um investigador, o estudo de pistas e a grande revelação do culpado. E essa investigação pode se dar na Londres vitoriana, na Terra-Média ou no ano 3000 em um planeta a centenas de anos-luz daqui.
Por outro lado, saber que a obra é uma ficção científica traz todo um conjunto de tropos, especialmente quando definimos as subdivisões desse grande guarda-chuva. Se estamos falando de uma Space Opera, por exemplo, já sabemos que encontraremos o espaço, naves e potencialmente batalhas e aventura. Então por que não podemos considerar esse tipo de ambientação como um gênero em si?
De qualquer maneira, não é o meu propósito nesta edição chegar a conclusões definitivas. Fantasia pra mim é gênero, sim. Se pra você não é, também está certo. E se você não tem certeza, não precisa rotular. O essencial é que existe a caixinha da ficção científica, seja essa caixinha um gênero, uma ambientação ou o quê.
Um Filme: Barbie
A carreira da Greta Gerwig atrás das câmeras é impressionante. Se em Lady Bird ela parece contar uma história mais pessoal, adotando o tom de dramédia que permeava também a sua carreira como atriz, em Adoráveis Mulheres ela toma um rumo totalmente diferente, definitivamente mais dramático que cômico. E Barbie é novamente outra coisa, igualmente distinto de seus dois predecessores imediatos. Essa versatilidade se alia a um senso estético apurado e transforma a diretora em estrela.
Barbie é um filme muito divertido, visualmente deslumbrante, com atuações bem trabalhadas e uma trama que provoca discussões e se equilibra bem. Saí do cinema com vontade de ver de novo, de rir novamente com os personagens. Espero que Gerwig continue nesse ritmo, pois terá a indústria aos seus pés.
Leia a minha opinião completa sobre o filme no Letterboxd: Barbie
Onde ver: Cinema
Outros filmes que vi recentemente:
Nimona (Netflix)
Evangelion 1.11: Você (Não) Está Sozinho (Amazon Prime Video)
Um Livro: Nós Somos a Cidade, de N. K. Jemisin, com tradução de Helen Pandolfi
A ideia por trás de Nós Somos a Cidade é tão inteligente quanto a de A Quinta Estação, a outra obra da autora que li. As cidades têm avatares, uma espécie de representante delas entre os humanos. E quando o avatar de Nova York está prestes a despertar, algo dá errado.
Eu gostei do livro, mas com mais ressalvas do que deveria. A pulverização da trama em vários personagens, sendo que alguns deles são mal desenvolvidos ou desinteressantes, enfraqueceu a narrativa. Por mais que os personagens sejam igualmente importantes para a trama, usar apenas um como fio condutor teria permitido uma visão mais coesa da história.
Leia minha opinião completa no Goodreads: Nós Somos a Cidade
Uma Série: A Lenda de Vox Machina
Ao longo dos anos eu desenvolvi uma certa preguiça de entretenimento na vibe de RPG medieval. Eu acho que se deve ao fato de boa parte dos produtos serem todos cheios de clichês e não acrescentarem nada novo. Mas faz anos que ouço falar das mesas de jogo do Critical Role, um grupo que transmite suas sessões de RPG online. Com o sucesso, eles conseguiram transformar a primeira campanha numa animação, inicialmente via financiamento coletivo mas depois pela Amazon.
A Lenda de Vox Machina também segue os clichês, mas ao mesmo tempo os subverte em diversos momentos. Trata-se de uma animação para adultos ou talvez maiores de 16 anos, com bastante violência gráfica, palavrões e contexto sexual. Mas o forte são mesmo as dublagens, feitas pelos membros do Critical Role, que são originalmente dubladores. O senso de humor é muito bom, embora às vezes as resoluções de conflitos possam ser cansativas. A segunda temporada, em especial, trouxe um desenvolvimento inesperado para os personagens e até aqueles que eu não gostava se tornaram interessantes.
Não espere nada genial ou completamente inovador, mas se você gosta de alta fantasia e/ou de RPGs na vibe de Dungeons & Dragons, dê uma chance a Vox Machina, que você provavelmente vai se divertir.
Onde ver: Amazon Prime
Um Podcast: Cinematório
Como eu contei na edição sobre minha paixão por podcasts, o antigo do Cinema em Cena foi a minha porta de entrada para essa mídia. E este era hosteado pelo Renato Silveira que, após o fim daquele, criou o Cinematório Café com sua companheira Kel Gomes. Ora analisam lançamentos, ora clássicos em profundidade e às vezes também mergulham em filmes dos anos 80 e 90 para trazer memórias de outros tempos, bem como fazem cobertura de festivais.
Recentemente foi lançado um episódio do podcast sobre a franquia Indiana Jones, no qual Kel, Renato e os convidados discutiram os cinco filmes em mais de 3h de gravação. O papo foi muito embasado e divertido:
Uma Newsletter: Noveletter
Eu comecei a assinar newsletters de ficção com a agora encerrada Faísca, que entregava semanalmente histórias curtas no nosso e-mail. A Noveletter se propõe a ser mais como um folhetim dos tempos de Charles Dickens, veiculando narrativas seriadas, uma por vez, um capítulo por semana. Eu assino desde a segunda história (estou até hoje devendo ler a primeira) e gosto bastante de todas.
Na semana passada teve início As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias, de Giu Yukari Murakami. É a segunda narrativa com a mesma dupla de personagens, mas não é necessário ter lido a anterior para compreender essa. Então se quiser dar uma chance a esse modelo de receber histórias semanalmente na sua caixa de entrada, esse é um bom momento. Leia o primeiro capítulo aqui: