Quando cheguei a Brasília, em 2007, fui aos poucos tirando finais de semana prolongados ou feriadões pra conhecer os destinos turísticos (ou nem tanto) da vizinhança. Fui primeiro a Pirenópolis. Lembro bem, eu tinha comprado um carro no final de novembro e já em dezembro o estreei na estrada de terra pra uma cachoeira. Também fui conhecer Goiânia. E fui a Caldas Novas curtir as piscinas de água morna e as atrações do Hot Park. Mas foi a Chapada dos Veadeiros o destino que realmente me cativou.
Minha primeira visita foi no segundo semestre de 2009. Naquela época o acesso era mais difícil, pois ainda não tinham completado o asfalto da via entre Alto Paraíso de Goiás e São Jorge. Mas logo explicarei melhor a geografia do lugar. Fui num gol 1.0 com minha mãe e dois amigos. Fizemos uma das trilhas do Parque e ficamos todos exaustos, especialmente minha mãe, que já tinha mais de 60 anos. Mas as cachoeiras foram maravilhosas.
Em 2010 voltei com outro amigo, desta vez pra acampar, primeira e única vez que acampei e que foi uma experiência interessante para eu entender que não era pra mim, hahaha. Em 2011 e 2012 falhei mas de 2013 para cá se tornou quase um rito ir pelo menos uma vez por ano. Em alguns anos fui mais de uma e em outros perdi a chance (tipo na pandemia). Em 2022 experimentei ir sozinho pela primeira vez, após me divorciar e perder a companhia habitual. E em 2023 fui com uma amiga.
O lugar
Embora fosse originalmente uma região agrícola, houve uma grande expansão colonizatória no início do Século XX, após a descoberta de jazidas de quartzo. Depois de extensa mineração, a área foi transformada em reserva ambiental no início dos anos 60, sob o nome Parque Nacional do Tocantins, pois contemplava mais de 600 mil hectares e abarcava boa parte da Bacia do Rio Tocantins. Nos anos seguintes foi perdendo espaço até chegar em cerca de 65 mil hectares e ter seu nome alterado para Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em uma configuração que perdurou até 2017. O parque ficava entre três municípios: Colinas do Sul, Cavalcante e Alto Paraíso de Goiás, sendo este o de mais fácil acesso para quem vem de Brasília, e onde fica localizada a Vila de São Jorge, vilarejo que fica na entrada oficial do Parque.
Em 2017 a área foi expandida novamente para 240 mil hectares e passou a se integrar mais com os municípios de Teresina de Goiás, Nova Roma e São João d’Aliança. Este último antes era apenas parte da rota rodoviária de Brasília a Alto Paraíso, mas nos últimos anos vem ganhando opções de hospedagem e explorando melhor o turismo de cachoeiras e aventura, apelidando-se inclusive de Portal da Chapada. Em São João d’Aliança fica a Cachoeira do Label, com 187 metros de altura, a mais alta de Goiás.
Mas a maioria dos visitantes começa por Alto Paraíso e São Jorge. Alto Paraíso de Goiás tem uma vibe mística que atrai todo tipo de interessado por religiões new age e esoterismo. A origem desse fenômeno está nos cristais, mas também no fato do Paralelo 14 cruzar a região, o mesmo que atravessa Machu Picchu. A elevada altitude de 1.232 metros a torna a cidade mais alta de todo o Centro-Oeste. Em 2012, pessoas que tinham medo do suposto apocalipse maia se refugiaram em Alto Paraíso com estoque de alimentos, acreditando que ali tinham chance de salvação. O lugar ainda é um paraíso para a ufologia, com possíveis avistamentos de OVNIs, o que gera diversões como a presença de um “espaçoporto” na cidade e a venda de souvenirs de ETs.
Já São Jorge, embora também tenha um pouco esse aspecto “hippie”, é um pouco mais de paz e amor que diretamente de misticismo. É um lugar muito tranquilo, com muita gente alternativa e muita tranquilidade.
Ou melhor, era assim. Entre 2014 e 2015 asfaltaram o trecho rodoviário que leva até São Jorge e prossegue para Colinas do Sul. Antes disso, o asfalto acabava uns 15 a 20 Km antes de São Jorge e isso significava estrada esburacada, às vezes lamacenta, etc. Com o asfalto, se tornou mais fácil dos playboys de Brasília irem à Chapada pro final de semana. Começaram a aparecer restaurantes mais caros e sofisticados, e, especialmente em Alto Paraíso, “pousadas de charme”, luxuosas e caríssimas.
Isso não é necessariamente ruim, lá por 2009 era bem ruim de opções alimentícias, e os restaurantes fechavam cedo no almoço, às 15h não se conseguia mais almoçar. E quando você vai pegar uma trilha, às vezes você volta essa hora e morrendo de fome. Então eu acho legal ter um cafezinho bacana pra lanchar, ter uma hamburgueria, etc. Especialmente em Alto Paraíso, que já é uma cidadezinha mesmo e comporta esses comércios. Mas no dia que cheguei pra hospedagem às 21h e não consegui vaga pra estacionar na rua da minha pousada em São Jorge porque o restaurante badalado vizinho estava bombando, aí me incomodou. Também subiram os preços das hospedagens e tudo é muito cheio. Se você quer fazer as trilhas do parque num sábado, tem que chegar às 9h, no máximo 10h. Passou disso e já esgotou a lotação do dia.
Eu acho que um meio termo teria sido mais interessante. Pelo menos ainda é proibido construir hotéis em São Jorge e as pousadas são todas muito pequenas. Mas não dá mais pra ir em feriadão devido à lotação e é preciso reservar com antecedência e desembolsar um valor alto.
As atrações
A verdade é que eu estou devendo muito nesse quesito. Fico com receio de ir num lugar que não conheço e não gostar; em outros precisa de guia; ou carro 4x4; ou madrugar porque é longe e tem horário pra entrar. Eu nunca fui a Cavalcante, pois fica 90 Km depois de Alto Paraíso, é acrescentar bastante tempo de viagem. Lá tem um quilombo famoso, dos Kalungas, onde fica a Cachoeira Santa Bárbara, considerada uma das mais bonitas do país. E eu nunca fui devido a essas dificuldades. Gosto tanto de São Jorge e Alto Paraíso…
Mas vamos lá: uma atração que merece uma visita ao menos uma vez é o Vale da Lua, que não é tão interessante em termos de banho ou trilha mas é fascinante devido às suas rochas escavadas pela água ao longo de milhões de anos, o que deu a elas uma aparência lunar.
Outras atrações que gosto são as Fazendas São Bento e Volta da Serra, a primeira com as Cachoeiras Almécegas I e II e a segunda com o Poço das Esmeraldas e as Cachoeiras do Cordovil e do Rodeador. Ambas têm trilhas médias, mais ou menos tranquilas de fazer. E para quem vai com crianças tem Loquinhas, uma propriedade com uns 20 poços para banho, todos acessíveis por um caminho de madeira, com corrimão e tudo, bem tranquilo mas ainda assim agradável.
Entretanto, imperdível mesmo é o Parque Nacional, que tem basicamente quatro atrações: a Trilha da Seriema, que não tem nem 1 Km e dá até para ir com crianças; a Travessia das Sete Quedas, que é o oposto, tem 24 Km e depende de pernoitar em acampamento; e as duas que gosto mais, a dos Canyons e a dos Saltos, ambas mais ou menos com 11 Km ida e volta. Fiz a dos Canyons só uma vez, mas a dos Saltos já fiz creio que sete vezes. São trilhas relativamente difíceis, dependem de algum preparo físico. Mas nada do outro mundo também ou eu não continuaria voltando.
Citei alguns lugares que frequento, mas a quantidade de atrativos é imensa, dá para ir várias vezes sem repetir cachoeiras.
O melhor período para visitação da Chapada é de maio a outubro, que é a época mais seca. Dá pra ir o ano todo, mas se estiver chovendo pode ser perigoso ir a cachoeiras. E há o risco de chover o dia todo e você ficar preso na pousada sem ter o que fazer. Março, abril e novembro ainda costumam dar pra ir. Mas de dezembro a fevereiro chove bastante. Junho e julho têm risco de frio e as cachoeiras são geladas. Eu considero maio e setembro os melhores meses. Maio ainda está tudo florido da primavera, e menos seco, as cachoeiras com maior volume. Mas há um risco pequeno de chuva. Já em setembro a chance de chuva é menor, mas as cachoeiras já estão mais ralas depois de meses de intensa seca. E a seca em si costuma ser fustigante, além do calor sufocante. Andar na floresta abafada a 35 ºC com 15% de umidade não é brincadeira. Por outro lado, a recompensa ao chegar na cachoeira é incomparável. O ideal é conhecer a região nas duas épocas: no início e no final da seca. Pois são paisagens diferentes.
Sobre hospedagem eu também recomendo experimentar tanto São Jorge quanto Alto Paraíso. A sensação é bem diferente. Em Alto Paraíso é provável que se precise pegar o carro pra jantar, por exemplo. Já São Jorge é tão pequena que tudo dá pra fazer a pé. São Jorge tem um estilo de cidadezinha praiana, tipo Jericoacoara, sabe? Sem calçamento, todo mundo saindo à noite em busca de jantar, etc. Eu, particularmente, prefiro. Mas às vezes fico em Alto Paraíso, também é bacana.
Minha meta para a próxima vez é finalmente conhecer a Santa Bárbara. De repente pegar logo dois dias com empresa de turismo e ir a uma das cachoeiras que precisam de 4x4 e ir pra Santa Bárbara na van deles.
E vocês, gostam de cachoeiras? Conhecem ou têm vontade de conhecer a Chapada dos Veadeiros?
Um Filme: Vidas Passadas
Eu tenho um fraco pra romances. Principalmente em filme, mais do que em livro. Então Vidas Passadas me pegou de jeito, pela sensibilidade com que a história é contada e pelas atuações tão delicadas e impactantes. O filme abre com uma cena da protagonista, uma sul-coreana radicada nos EUA, conversando em coreano com seu namoradinho da infância, enquanto seu marido nova-iorquino está entediado ao lado, sem conseguir entender o papo. E eu curiosamente me dei conta de que eu poderia passar por uma situação parecida. Mas o ponto é que o filme da diretora estreante Celine Song nos provoca a reflexão sobre nossas primeiras paixões e só isso já compensa a experiência.
Leia a minha opinião completa sobre o filme no Letterboxd: Vidas Passadas
Onde ver: Cinemas
Outros filmes que vi recentemente:
Rustin (Netflix)
Um Livro: O Céu de Pedra, de N. K. Jemisin com tradução de Aline Storto Pereira
Confesso que o primeiro volume da trilogia da Terra Partida me agradou muito, mas me deixou com impressão de que não era assim tão genial ao ponto de ser multipremiado. Porém, os dois volumes seguintes provaram que eu estava errado e que a N. K. Jemisin merece sim todos os louros pela história de Essun. O worldbuilding é absolutamente incrível, me parece muito original e fora da caixinha. E conforme a história avança, a fronteira entre Fantasia e Ficção Científica é borrada e a obra acaba permitindo ambas as interpretações. Gostei tanto do segundo volume ano passado que quis ler o final já no início do ano. E não me arrependi.
Leia a minha opinião completa no Goodreads: O Céu de Pedra
Um Podcast: Biscoiteiras
A Camila Henriques, a Carissa Vieira e a Larissa Padron são três críticas de cinema da nova geração que eu admiro muito, e o Biscoiteiras é o podcast delas voltado pra temporada de premiações, analisando os filmes, os indicados e as categorias com bom humor e a dose regular de fofoca e curiosidades. O podcast não costuma ter uma frequência muito regular, mas recentemente foi lançado um novo episódio com observações sobre a temporada 2024 e, como de costume, me diverti bastante ouvindo.
Ouçam no seu agregador favorito ou no link abaixo:
https://pod.link/1550723179/episode/d311e66cdde4282c5746ddd331e29a12
Uma Newsletter: arquitetura em notas: visitando o memorial de martin luther king jr.
O Gabriel Fernandes é um arquiteto e pesquisador que ocasionalmente lança uma edição nova de sua newsletter, que é também publicada em um site. Nesta edição, o Gabriel visitou o Memorial de Martin Luther King Jr., em Washington DC, nos EUA, e fez uma análise muito interessante do que o memorial representa em sua posição carregada de simbolismo. Não foi planejado, mas a newsletter do Gabriel faz uma boa dobradinha com o filme Rustin, que assisti na semana de publicação desta edição.
Leiam:
Ainda não visitei... morro de vontade!
Salvarei este texto para um futuro que espero que seja breve! <3
obrigado pela gentil citação! :)