Esta discussão poderia passar por um longo caminho. Por exemplo, poderia começar com quadrinhos em geral e o porquê de algumas pessoas acharem que é coisa de criança, talvez por terem lido apenas Turma da Mônica na infância. Meu pai me introduziu na leitura através de quadrinhos, mas quando eu tinha uns 10-12 anos ele já achava que eu deveria passar para livros. Felizmente deu errado e eu sigo lendo quadrinhos até hoje, embora, claro, tenha incluído os livros.
Uma sensação similar acontece com desenhos animados, inclusive obras da Disney ou da Pixar. Se for uma série animada, é pra criança e só pra ela. Se for um filme, tem que ter camadas para funcionar com os pais e as crianças, como um Ratatouille da vida. Mas veja, animação não é um gênero, é uma técnica. Por isso há filmes como Persépolis, Mary & Max e outros até mais adultos, como Planeta Fantástico ou Heavy Metal.
E quadrinhos então… há obras para todos os públicos e em todos os gêneros, das mais infantis às adolescentes, passando pelas adultas assim chamadas por discutir temas maduros e até filosóficos, mas também pelas adultas que recebem esse rótulo por abordar sexo de maneira mais explícita.
E nada disso é diferente com animes e mangás.
Animes e Mangás: o Básico
Eu talvez vá ser aqui muito óbvio para quem já conhece bem a mídia, mas meu objetivo é ser didático o bastante para despertar o interesse de quem não tem familiaridade.
Diferentemente do que ocorre fora do leste asiático, quadrinhos e desenhos animados estão intrinsecamente relacionados no Japão (não sou conhecedor, mas sei que tem surgido um mercado similar na Coreia do Sul e na China). A esmagadora maioria dos animes adaptam mangás de sucesso.
O ciclo é mais ou menos assim: um artista (mangaká é o termo utilizado) costuma começar publicando zines em convenções, até que surge a chance de publicar uma edição curta numa revista grande. A publicação de mangás no Japão se dá através de revistas imensas com papel jornal e que publicam a cada edição um capítulo de cada história. Quando um mangaká publica uma história curta, chama-se one shot. Normalmente serve de teste e quando a recepção é boa aquele artista pode ser convidado para fazer uma história mais longa.
Após um determinado número de capítulos ser publicado, eles são reunidos em um volume encadernado num papel melhor, com capa colorida (mangás são originalmente em preto e branco), às vezes textos do autor, material complementar, etc. E quando um mangá assim é bem sucedido, a empresa distribuidora vende os direitos para adaptação na forma de um anime.
A mais famosa dessas revistas é a Shonen Jump, em circulação desde 1968. Eu não vou entrar no detalhe de todas as classificações de mangás, mas vou citar os cinco tipos mais comuns: kodomo é o mangá para crianças pequenas, shonen para meninos adolescentes, shojo para meninas adolescentes, seinen para homens adultos e josei para mulheres adultas.
Essa classificação é antiga e não tão confiável, porque na verdade depende da revista que publica o mangá. Se sai na Shonen Jump, é shonen. Se numa revista shojo, é shojo. E assim segue. E o fato de ser classificado como para meninos adolescentes, não significa que não possa atingir outras demografias. One Piece é shonen e eu continuo gostando aos 42 anos. E há algumas histórias mal classificadas, mais violentas ou que tratam de temas mais adultos, e seguem publicadas nas revistas adolescentes.
Além da classificação por público-alvo, mais famosa, há outras classificações, como pelo gênero da obra: há mangás de esporte, de garotas mágicas, que envolvem portais pra outro mundo (isekais), de horror, de suspense, romance, etc.
Se você não tem o hábito de ler mangás ou ver animes, pode ser que haja alguma dificuldade inicial. Mas é uma pequena barreira de entrada, de compreensão da linguagem e do estilo, nada muito diferente da enfrentada por quem começou a assistir doramas coreanos. Se você não costuma ler quadrinhos ou ver desenhos quaisquer, pode ser um passo mais difícil (mas experimente), mas se já tem o hábito, vai ver que mangás e animes são todo um novo mundo a ser explorado.
Obras para um público adulto
Vou deixar aqui algumas indicações de obras que podem servir de porta de entrada, nos mais variados gêneros. Alguma deve lhe interessar:
Junji Ito: esta é a indicação mais diferente, porque eu li bem pouco e não é muito a minha vibe. Acho legal e só. Mas para quem curte horror, o Junji Ito tem sido um autor muito apreciado no Brasil, com mais de uma dezena de obras curtas publicadas;
Berserk: já se você gosta de ação com uma pitada de horror, muita violência gráfica e um ambiente medieval, Berserk pode lhe interessar. Infelizmente o autor morreu com a obra inacabada e já vinha tomando um rumo não tão criativo. Mas o auge, quando o passado do protagonista é narrado, é absolutamente impecável. A arte é um desbunde. Também tem um anime bem produzido e igualmente violento;
Vagabond: falando em arte incrível, Vagabond é um dos mais espetaculares. Conta a história de Miyamoto Musashi, um dos samurais mais famosos do Japão. Também está inacabado, mas o autor está vivo, só colocou a obra em hiato;
Vinland Saga: este mangá ainda em andamento (mas não em hiato) conta uma história de vikings. Mas apesar de ter sua parcela de lutas e personagens grandiosos, o cerne é a ideia de que a violência não resolve tudo. Os personagens são cativantes e acho que tem um pouco de Berserk no desenvolvimento. Não vi o anime, mas parece ser fiel;
Monster: o mangaká Naoki Urasawa é um dos meus favoritos, pois foca principalmente no suspense e constrói tramas com reviravoltas incríveis e muito bem amarradas. Monster conta a história de um cirurgião japonês radicado na Alemanha que é injustamente acusado de um crime e tem que provar sua inocência enquanto procura um possível psicopata que ele pode ter ajudado a desenvolver. Dizem que o anime é absolutamente igual, então vá pela mídia que preferir;
20th Century Boys: melhor ainda que Monster é 20th Century Boys, também do Urasawa. A trama aqui é muito mais complexa e até difícil de entender se ler muito espaçado. Mas basicamente no final do Século XX começam a acontecer alguns eventos que parecem tirados de uma brincadeira feita pelos personagens na infância e eles então desconfiam que um membro do grupo é o responsável. A trama vai e volta no tempo e tem muitos personagens, mas tudo é muito bem amarrado e genial;
Akira: 20th Century Boys parece homenagear um pouco Akira, que é um dos animes mais importantes da história. O anime é apenas um filme, então condensa a trama, mas é uma rara adaptação dirigida pelo próprio autor do mangá, Katsuhiro Otomo. A relevância foi de apresentar o gênero para uma geração fora do Japão, a partir dos anos 80, especialmente demonstrando que um anime poderia ser maduro. Visualmente, o anime é um espetáculo e suas cenas são copiadas até hoje, inclusive em Hollywood. Só este ano pude ler o mangá e descobri perplexo que é igualmente genial, com mais calma para detalhar os personagens e suas motivações e deveras cinematográfico em sua linguagem narrativa;
Orange: mudando um pouco de estilo, Orange é um mangá curtinho sobre uma garota no colégio que recebe uma carta de si mesma 10 anos no futuro lhe alertando sobre um novo amigo. A história principal é contada em apenas cinco volumes e tem mais dois complementares. É uma narrativa agridoce sobre amizade e transtornos mentais;
Honey & Clover: seguindo num estilo parecido, Honey & Clover é a história de um círculo de amigos fazendo universidade de artes, se descobrindo como adultos, entendendo seus sentimentos um pelo outro, suas aspirações e sonhos. É um coming-of-age, estilo de história que tanto amo e sobre o qual um dia escreverei aqui. O mangá tem 10 volumes, o anime um pouco menos que 40 episódios e são ambos igualmente excelentes;
Nodame Cantabile: este é um dos mais diferentes da lista, por unir romance, drama e comédia em doses exageradas. Mas também por ser sobre música clássica. Noda Megumi é uma pianista extremamente desastrada e desorganizada, mas com um talento especial. E Chiaki é o melhor músico do conservatório, violinista e pianista, e agora deseja ser condutor de orquestras, com uma dedicação impecável. Quando o caminho dos dois se cruza, um vai afetar o outro de maneira irreversível. Eu não li o mangá, que será lançado no Brasil a partir desse ano (e eu pretendo comprar, então voltarei a falar dele aqui), mas o anime é lindíssimo, me fez gargalhar, chorar de emoção e também me encantar com as dezenas de apresentações de música clássica. Inclusive faço questão de deixar um vídeo da dupla principal tocando uma das peças mais difíceis da história do piano, o Concerto nº 2 para Piano, de Rachmaninoff:
Paradise Kiss: a mangaká Ai Yazawa tem um talento especial para moda, com seu traço longilíneo como os croquis de estilistas. Paradise Kiss é um mangá curtinho sobre estudantes de moda encontrando uma colegial e a convencendo a ser modelo deles. O anime também é divertido;
Nana: mas a obra-prima de Yazawa é o meu mangá e anime favorito, Nana, que já mencionei aqui outras vezes. Infelizmente, o anime não adapta todos os volumes do mangá lançados e este não foi terminado, sendo paralisado em 2009 devido a uma doença da autora. Até hoje os fãs especulam que ela poderia concluir a história. Mas vamos a essa: Nana Komatsu está indo morar em Tóquio atrás de um emprego e animada porque vai viver com o namorado, mas no trem conhece Nana Osaki, uma cantora punk em busca de uma carreira musical. Uma é madura, a outra infantil, mas os dramas de suas vidas logo vão colocá-las em situações impossíveis de lidar. A história de Nana tem sua dose de humor, mas o foco é o drama e a cena musical do punk rock japonês. Duas bandas fazem parte da história, e no anime duas cantoras reais gravaram as músicas da trilha, fizeram shows, lançaram álbuns e eu amo profundamente essa trilha. Seria um sonho ver essa história concluída.
Espero que algum título desta seleção tenha chamado a sua atenção, caso você não tenha o hábito de ler mangá ou ver anime, e decida dar uma chance. Me conta nos comentários ou respondendo o e-mail.
Um Livro: A Parábola do Semeador, de Octavia Butler com tradução de Carolina Caires Coelho
Já faz alguns anos que a bibliografia da Octavia Butler está toda na minha lista de desejos, então quando surgiu a oportunidade de começar esta duologia inacabada em um clube de leitura, aproveitei. A Parábola do Semeador tem duas partes bem distintas, ambas centradas em Lauren, uma garota tentando sobreviver em um mundo pós-catástrofe climática, com os EUA em caos completo. Na primeira parte, Lauren vive com sua família em uma espécie de condomínio murado, relativamente seguro. Mas a protagonista sente que é uma questão de tempo até as coisas piorarem. A construção do clima de tensão crescente é muito eficaz nesta metade inicial da obra. Por outro lado, passa a impressão de que não acontece muita coisa. Já a segunda metade é o oposto: acontece bastante coisa e nem tudo tem o tempo que merece. O cenário e os conceitos são bem construídos e trabalhados, mas o livro não tem personagens muito interessantes, se limitando às ideias.
Leia a minha opinião completa sobre o livro no Goodreads: A Parábola do Semeador
Uma Série: Gilmore Girls: Um Ano para Recordar
Sim, em todos estes anos após o lançamento do revival de Gilmore Girls, só agora o encarei. Eu maratonei a série por volta de 2007-2008 e quando este especial em quatro partes foi lançado, eu queria rever a série antes de assisti-lo. Estive um tempo na casa de uma pessoa que estava maratonando e pude pegar trechos das sete temporadas, o suficiente para me relembrar dos principais acontecimentos. Assim, assisti a Um Ano para Recordar. Como eu já tinha ouvido falar, é uma decepção. Claro que é legal rever os personagens que amamos depois de anos, saber o que aconteceu com eles, etc. Mas pouca coisa se salva. Emily é envolvida numa trama esquisita e até aparece de jeans! Lorelai está presa no tempo. E Rory é uma decepção que vai contra tudo que almejava. Vale só pela nostalgia mesmo.
Onde ver: Netflix
Um Podcast: Cinematório Café - Fechando o Oscar 2025 com "O Reformatório Nickel", "O Brutalista" e "Um Completo Desconhecido"
Eu não necessariamente concordo com as opiniões da equipe do Cinematório sobre os filmes, e neste episódio em especial meio que discordo de opiniões sobre os três longas. Mas é fascinante ouvir especialistas discutindo os filmes do Oscar. Todo ano a equipe lança episódios sobre os principais indicados, e neste não foi diferente. Tem episódios sobre os 10 indicados na categoria principal.
Ouçam no seu agregador favorito ou no link abaixo:
Uma Newsletter: Imagina Só - O Mundo Milagroso de Alex, por Marcio Melo
Comecei a ler a newsletter do Marcio há bem pouco tempo e ainda estou tentando entender qual o estilo, mas já fui capturado por esta edição sobre o racismo nada velado dos anos 90, contada através de uma narrativa relativamente lúdica, mas não menos impactante por isso.
Leiam:
vou aproveitar o braço engessado e maratonar monster. esse ta na minha lista uns anos e tava só precisando desse empurrão seu.
que honra ter meu link aqui, quando descobrir meu estilo me avise para eu poder falar para as outras pessoas hahahaha
Dos animes que você citou vi bem poucos, Akira e mais uns dois da lista. Eu não consegui curtir muito não, são raros os que vejo e gosto como Akira, Death Note