038 - 10 Opções para Cultivar o Hábito de Leitura
A primeira de duas partes sobre Leitura e Escrita
Eu não havia decidido ainda o tema da edição desta quinzena quando pensei em abordar Reading Journals ou Diários de Leitura. Mas o tema não está maduro o bastante ainda para mim então acabei pensando que isso é uma forma de escrever alguma coisa e decidi tratar de vários usos da escrita. Mas ao refletir sobre o assunto, concluí que seria melhor fazer duas edições: uma sobre leitura e uma sobre escrita e porque eu considero ambos hábitos essenciais na vida de uma pessoa.
Existe um mito de que o brasileiro não lê ou que lê muito pouco. É verdade que nosso mercado editorial é pequeno se comparado à população, mas também é verdade que somos um país muito desigual e que não tem uma cultura consolidada de uso de bibliotecas públicas. Mas esta newsletter não é sobre isso, pois tem muita gente melhor do que eu abordando o assunto por aí.
O que eu quero trazer é que um livro não é a única fonte de leitura. É claro que fontes diferentes trazem níveis diferentes de letramento, mas ler é ler e não é legal menosprezar quem não tem o hábito de ler livros. Destaco também que não se lê apenas com os olhos. Pessoas cegas leem em áudio com leitores de tela ou em braille e também conta. Mas vamos à lista que dá título à edição:
Conversas com outras pessoas: quando seu amigo lhe manda uma mensagem no Whatsapp você lê o que ele escreveu. Pode ter erros de ortografia, propositais ou não, abreviações, stickers, emojis, mas há um sentido numa mensagem e ser capaz de decodificar o que o emissor está querendo comunicar é saber ler. Eu falei de Whatsapp mas essa forma de comunicação vem das cartas, que são bem mais formais, e atravessa bilhetes, recados, mensagens de SMS e outros comunicadores, além dos grupos de amigos ou interesses em comum no Telegram ou Whatsapp;
Redes sociais: a legenda de uma foto no Instagram, tweets, correntes no Facebook e até descrições de perfil em aplicativos de paquera são mensagens escritas que dependem da capacidade de leitura para a compreensão. Pessoas que não leem livros mas passam o dia inteiro no Twitter estão lendo bastante, só que uma forma curta e condensada de leitura. Algumas vezes é até extenso, longos fios ou postagens do Instagram que continuam nos comentários;
Coisas cotidianas: o cardápio de um restaurante, o letreiro de um ônibus, placas indicando lugares, panfletos de propaganda, uma prescrição médica, uma receita culinária, tudo é leitura. Tá vendo como você lê muito mais do que pensava? Essa talvez seja a categoria que traz os primeiros contatos de crianças com as letras, tentando entender o que está escrito em embalagens ou no letreiro de uma loja. Podem ser textos demasiadamente simples, mas uma receita de bolo, por exemplo, é sofisticada. Além da lista de ingredientes, costuma trazer um algoritmo! Isso mesmo, este é um exemplo inicial em uma aula de lógica de programação, o de escrever um algoritmo para fazer um bolo ou fritar um ovo. É uma lista sequencial de passos e condições;
Materiais de estudo ou trabalho: falando em algoritmos, programadores passam o dia lendo os códigos dos programas que fazem. E muitos trabalhadores leem o tempo todo nas situações de trabalho, sejam as já abordadas conversas, sejam guias e manuais técnicos, normativos, especificações ou qualquer coisa relacionada à atividade laboral. Igualmente, estudantes leem minimamente as suas próprias anotações em cadernos ou tablets;
Notícias: eu sei que esse comportamento foi mudando ao longo dos anos, mas muita gente que não lia livros assinava jornais e os lia de cabo a rabo todos os dias! É bastante leitura! Ou então revistas semanais de notícias, que também foram bastante assinadas nas casas dos brasileiros. Mas ainda hoje há um volume extenso de publicações jornalísticas online, das completamente gratuitas às que adotam algum tipo de paywall. Também lemos notícias resumidas nas redes sociais, às vezes explicadas em fios do Twitter. É um tipo de leitura direta e objetiva, mas que ajuda igualmente na construção de vocabulário;
Matérias sobre assuntos variados: seja em revistas ou online, a leitura de textos sobre os mais diversos assuntos não deixa de ser leitura. Um guia de avaliação de uma câmera fotográfica. Uma descrição das naves de Star Wars. Uma matéria descrevendo como funciona a produção de um filme. Uma análise sobre a economia da Síria. Textos opinativos ou explicativos existem aos montes na Internet e não é incomum passar alguma chamada para um que nos interesse e acabarmos dedicando 10 minutos para dar uma lida;
Críticas e análises de Arte: serve de gastronomia também. Você vê um filme e vai no Letterboxd ler a opinião das pessoas. Ou vai a algum site especializado. Um livro no Goodreads. Matérias de gastrônomos elogiando um restaurante. O ofício da crítica se diluiu um pouco, mas ao mesmo tempo se popularizou. Antes atribuía-se um certo valor a opiniões de especialistas até como guia de consumo. Hoje os críticos profissionais perderam espaço (vocês conhecem críticos de pintura, por exemplo?) mas ferramentas como o Letterboxd para cinema ou as avaliações do Google Maps para restaurantes permitem que qualquer pessoa teça suas observações acerca daquele produto. Eu acredito que hoje muita gente consuma esse tema através de vídeos no Youtube mas eu, particularmente, sigo lendo críticas online, inclusive uma ou outra de pessoas especializadas;
Newsletters e outros e-mails: você está lendo agora mesmo! Eu adoro e-mails e nunca abandonei completamente essa forma meio ultrapassada de comunicação e com a ascensão das newsletters nos últimos anos esse tem sido o veículo que mais cresce nas minhas leituras;
Livros: enfim chegamos a eles, aos objetos admirados que vêm à mente de todos quando pensam em leitura. Livros técnicos, livros de não ficção, poesia, romances e até autoajuda, são todos livros;
Quadrinhos: deixei separado dos livros porque essa é uma mídia que une texto e imagem e pode exigir uma capacidade de compreensão mais avançada, de união dos dois meios para chegar ao significado da mensagem. Mas conte aqui tirinhas no Instagram, webtoons, revistas da Mônica, super-heróis, mangás, álbuns gráficos europeus de alto acabamento, etc.
Por que eu decidi fazer essa lista? Para mostrar que estamos lendo o tempo todo. Apenas com um hábito de leitura construímos vocabulário e adquirimos capacidades interpretativas sofisticadas. É provável que uma pessoa habituada a ler livros tenha mais vocabulário que uma que lê apenas as redes sociais e textos cotidianos. Mas quanto mais categorias dessa lista lermos, mais amplas as nossas habilidades de compreensão.
Criar um hábito de leitura quando isso não era comum nos nossos pais ou educadores não é fácil. Mas também não é impossível. E não é imprescindível que se leia livros, embora recomendado. Ler notícias e matérias variadas pode ser já um bom combustível para ter capacidade de interpretação de texto e literacia.
Mas e vocês, o que costumam ler?
Um Filme: Assassino por Acaso
Essa foi uma quinzena Glen Powell. O ator está atualmente na moda em Hollywood e eu acabei vendo três longas com ele, um no cinema e dois em casa. O melhor foi Hit Man, traduzido no Brasil como Assassino por Acaso, o que emana uma aura bem mais Sessão da Tarde do que o filme realmente tem. Mas não me entendam mal, é uma comédia, mas também lida com alguns temas mais pesados e tem um humor bem ácido, não é exatamente a mesma vibe de Um Tira no Jardim de Infância.
Hit Man é o mais novo lançamento do Richard Linklater, diretor da maravilhosa trilogia Before e de outros sucessos, como Escola do Rock ou Boyhood. Baseando-se na vida real de um professor universitário que fazia freelancer como agente duplo do FBI, a obra apresenta esse conceito inusitado com muita habilidade e bom humor, graças também à trilha sonora impecável, ao trabalho de maquiagem e figurino e à montagem ágil, mas principalmente ao carisma de Powell, que se encaixa perfeitamente neste tipo de papel. O filme fica mais tenso com a entrada da personagem da Adria Arjona, que me surpreendeu com uma ótima atuação. Eu lembrava dela da primeira temporada da série Good Omens, mas em Hit Man ela parece uma versão moderna da Salma Hayek, ou seja, uma latina bonita e sensual com excelente timing cômico.
Leia a minha opinião completa sobre o filme no Letterboxd: Assassino por Acaso
Onde ver: Cinemas
Outros filmes que vi ou revi nesta quinzena:
Todos Menos Você (Max)
Jovens, Loucos e Mais Rebeldes (Amazon Prime)
Um Livro: Sem Amor, de Alice Oseman com tradução de Laura Pohl
Não é ainda comum na mídia a representação muito explícita de pessoas assexuais. Em uma ou outra análise podemos apontar aquele personagem que passou a série inteira sem interesses amorosos ou que demonstrava mais claramente não se interessar em relacionamentos, mas tudo bem superficial e sem dar nomes aos bois. A escritora inglesa Alice Oseman, ela mesma assexual, ficou famosa pelos quadrinhos de Heartstopper, que viraram uma série bem-sucedida na Netflix. No livro Sem Amor ela se inspira um pouco nas próprias experiências e nos leva ao mundo de Georgia, uma garota de 18 anos em início de faculdade que não sabe muito bem o que é assexualidade mas sofre por até essa idade nunca ter beijado ninguém.
Me impressionei muito com a fluidez do texto, mérito também da tradução da Laura Pohl, que é igualmente uma escritora bem sucedida. O público alvo é de jovens adultos ou adolescentes, mas eu me diverti bastante com a leitura e, por mais que o final fosse previsível, não deixei de torcer pelos personagens.
Leia a minha opinião completa sobre o livro no Goodreads: Sem Amor
Outro livro que terminei nesta quinzena:
Um Jogo de Tabuleiro: Os Palácios de Carrara - Segunda Edição
Os Palácios de Carrara apresenta um belo tabuleiro, com lugares da Itália, construções a se fazer e peças de mármore de diferentes cores para comprar. Cada cor tem um custo conforme a roleta gira e há cores que só permitem construir nas áreas de menor pontuação enquanto as mais caras constroem em qualquer lugar.
A mecânica do jogo é corrida pois, dependendo da estratégia do jogador, ele precisa ser o primeiro a construir um certo número de edificações numa mesma área para conseguir pontuar naquela área, e só uma pessoa pontua por área. Mas também há outras formas de pontuação e um difícil balanço entre apostar em pontos ou em dinheiro. O dinheiro é necessário para comprar as peças de mármore, mas são os pontos que definem quem ganha.
Achei o jogo bem divertido e fiquei com vontade de jogar novamente!
Um Podcast: 30:MIN 482 - Desafios da Tradução
Vilto Reis e Arthur Marchetto convidam a escritora e tradutora (e ex-criadora de excelentes fios sobre Engenharia de Alimentos no Twitter - sempre referencio os do preço do Ovo de Páscoa e do Bolacha X Biscoito) Jana Bianchi para abordar alguns aspectos da tradução, desde decisões difíceis a adaptações divertidas.
Ouçam no seu agregador favorito ou no link abaixo:
Uma Newsletter: Encruza #01: As mariposas de sangue de Fernanda Castro, por Eric Novello
A newsletter do Eric foi renomeada de Encruza Criativa para apenas Encruza e sua numeração reiniciada. Nesta edição um (não é a primeira, teve o número zero), o autor publica uma entrevista que fez com a também autora Fernanda Castro e me impressionei positivamente pela profundidade da discussão, de como as bases do livro dela Mariposa Vermelha servem de insumo para um debate quase filosófico.
Leiam:
sei lá, eu não gosto de contabilizar leituras em redes sociais como leitura, afinal, geralmente o que se tem lá é só desgaste, mas entendi o seu ponto.
o que tenho feito é não me cobrar e nem criar metas, eu vou criando espacinhos pequenos pra ler o que tiver afim, na realidade o que funcionou para mim foi sair das redes sociais, o tempo que se abre em sua vida é incrível.
Sair no sentido diminuir drasticamente o uso. Eu saí apenas de algumas redes, ainda mantenho uma ou duas.