A crise climática chegou para ficar. Infelizmente a realidade do mundo será agora conviver cada vez mais com secas extremas, furacões agressivos, tsunamis inesperados, chuvas de dias sem parar com uma intensidade jamais vista. Lugares cujo clima costumava ser tranquilo ou pelo menos estável se tornam instáveis e os que já o eram partem pro inabitável.
Pode ser que o homem consiga reverter esse quadro um dia. Ou se adaptar bem a uma nova realidade. Eu não vou aqui discutir probabilidades nem meu otimismo ou a falta dele acerca da questão. Essa é uma newsletter de tema livre, mas em geral um pouco mais leve. Quando trago reflexões, costumam ser sobre mim. Mas não resisti a tangenciar o tema que deveria ser a prioridade máxima de todos nesse momento em que queimadas (muitas dessas criminosas) assolam grande parte do território brasileiro.
E o meu viés é o Solarpunk.
Há quase um ano eu estava fazendo uma série sobre subgêneros da Ficção Científica e na terceira parte (leia aqui) escrevi o seguinte sobre o Solarpunk:
Já o Solarpunk trata especificamente do clima. Faz uma interseção com Cli-Fi, mas sempre com um olhar positivo. Solarpunk é quando nós vencemos as mudanças climáticas. Não quer dizer que não possa haver conflito ou que seja sempre um cenário utópico, o Solarpunk abrange desde a luta até a vitória.
Meu amigo Thiago Ambrósio Lage se debruçou mais demoradamente sobre o assunto no início de 2023 na Mercúrio em Peixes (leia o post completo aqui):
Alguns elementos presentes aqui são energias renováveis, tecnologia e ciência a serviço do resgate da integração homem-natureza, respeito a povos originários, construção e manutenção de utopias, soluções para a crise climática, celebração da diversidade humana, tecnologias ancestrais, colocar bio- como prefixo de tudo que imaginar.
Eu sei que o Solarpunk é um gênero recente. Mas me incomoda a dificuldade para encontrar obras que o adotem. É verdade que as maiores inovações na Ficção Científica acontecem na cena de revistas de contos dos EUA. E lá se encontra sim opções Solarpunk e até revistas dedicadas ao tema. Mas esse é o nicho do nicho.
A maior parte dos romances comumente associados ao movimento o foi feito de maneira retroativa, como Floresta é o Nome do Mundo, da Ursula K. Le Guin; Parábola do Semeador, da Octavia Butler; ou a Trilogia de Marte, do Kim Stanley Robinson; e até mesmo Duna às vezes é enxergado sob este prisma, já que há um movimento de tornar Arrakis verde.
E quando são livros mais recentes, a associação é sempre colateral, como em Herdeiros do Tempo, do Adrian Tchaikovsky; ou A Longa Viagem a um Pequeno Planeta Hostil, da Becky Chambers.
Por outro lado, a duologia de Chambers iniciada em Salmo para um Robô Peregrino parece realmente trazer um cenário Solarpunk. Preciso ler.
Por que estou insistindo no gênero? Porque isso é o que precisamos ler agora. As histórias Solarpunk trazem civilizações que já superaram o que estamos vivendo, ou estão no processo de recuperação. Oferecem cenários sustentáveis, de integração entre a natureza e o homem, sem abdicar da tecnologia.
Ler esse tipo de narrativa traz esperança. E eu acho que todos podemos fazer bom uso de um pouco de esperança nesse momento. Eu verdadeiramente não me importo de ler livros tristes, catastróficos e afins, mas que a sensação de ler algo que renove nossa fé na humanidade e em um futuro é essencial, especialmente quando o mundo ao nosso redor se tornou distópico.
Concluo esta breve edição com um apelo aos poucos escritores que me leem: escrevam Solarpunk! Experimentem. Vejam se sai alguma coisa. É possível ter conflito. Não precisa ser um cenário totalmente utópico.
E você? Tem alguma indicação no gênero?
Um Filme: Athena
Tenso filme francês que mexe um pouco no vespeiro da xenofobia francesa, mas esse é só o pano de fundo para uma coleção de planos sequência espetaculares de uma rebelião de jovens em um condomínio repleto de descendentes de argelinos e talvez outros grupos étnicos.
Leia a minha opinião completa sobre o filme no Letterboxd: Athena
Onde ver: Netflix
Outros filmes que (re)vi este mês:
Os Fantasmas se Divertem (Max)
Um Livro: Minha Irmã, a Serial Killer, de Oyinkan Braithwaite com tradução de Carolina Kuhn Facchin
O que você faria se sua irmã lhe telefonasse pedindo ajuda para se livrar de um corpo? E se essa já fosse a terceira vez que ela “acidentalmente” mata o namorado? Essa é a premissa do livro, ambientado na Nigéria. Infelizmente não gostei muito da protagonista nem muito menos da irmã dela. Então tive alguma dificuldade para gostar do livro. Por outro lado, a escrita é fluida e super rápida.
Leia a minha opinião completa sobre o livro no Goodreads: Minha Irmã, A Serial Killer
Uma Série: Entrevista com o Vampiro, 2ª Temporada
Eu sou a exceção, infelizmente. Seguirei assistindo pela curiosidade, mas tenho uma dificuldade imensa para gostar dessa série. Tenho um laço muito estreito com os livros. E não é necessariamente uma resistência a mudanças, porque eu não acho que o casting do Louis seja um problema, por exemplo. Mas tem mudanças que eu não vejo razão outra que não a vontade dos roteiristas de fazer diferente. E aí me incomoda. Um exemplo bobo: nos livros quando amanhece os personagens não conseguem ficar acordados. Há uma espécie de torpor. E a série dá a entender que isso só acontece depois de você deitar e fechar o caixão. E que, se você estiver num ambiente fechado, tá tudo bem ser dia. Pode parecer bobagem, mas quando essas pequenas mudanças vão se acumulando, a série se torna outra coisa. Mas o que realmente me deixa revoltado são as mudanças nas personalidades. O Louis da série até se pareceu com o do livro na primeira temporada, mas na segunda só se distanciou, até virar um personagem totalmente diferente. Felizmente o elenco é bom, especialmente o Sam Reid de Lestat. Se na primeira temporada ainda tive um incômodo com sua voz, nessa segunda fui conquistado. Lestat é o personagem mais fiel, embora mesmo ele tenha pequenas mudanças na temporada mais recente. Aliás, os personagens se regeneram muito fácil, perde um pouco a graça. Mas enfim, sigamos acompanhando. Quem sabe o arco de Akasha funcione? E meu personagem favorito, Marius, foi brevemente mencionado em contexto fiel ao livro, então há esperança.
Onde ver: Amazon Prime Video
Um Podcast: The Skeptics’ Guide to the Universe #1000
Me impressiona muito a constância do Skeptics’ Guide. Eu ouço há uns 5 anos e eles nunca perderam uma semana. Às vezes gravam programas ao vivo e usam o áudio em semanas de viagem dos hosts, mas não deixam de publicar em nenhum sábado. É um programa simples, de comentário de notícias sobre Ciência e Ceticismo. Mas está no ar há mais de 19 anos e esse é um mérito para poucos. É claro que eles têm um programa de financiamento muito bem sucedido, mas ainda assim é incrível chegar ao número 1000.
Ouçam no seu agregador favorito ou no link abaixo:
https://www.theskepticsguide.org/podcasts/episode-1000
Uma Newsletter: Bom Proveito 36 | Por caminhos de ferro, por Gabriele Duarte da Silva
A Gabriele faz um trabalho muito dedicado e cuidadoso na Bom Proveito, recomendação obrigatória para os amantes de viagens. E eu não poderia deixar de mencionar uma edição dedicada a trens, um modal de transporte incrível. Sonho muito em fazer mais viagens de trem.
Leiam:
Em breve trago novidades sobre solarpunk e afins 🌹
Todo o gênero Sertãopunk tem base no solarpunk, recomendo você dar uma olhada porque além dos elementos "positivistas" em relação ao clima e energias renováveis é uma retomada de escrever o nordeste pelo povo nordestino. É o que tento fazer, só não consegui ainda meter o solarpunk hehehe