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Esta última edição traz cinco subgêneros mais recentes e que propõem novos caminhos para o Sci-Fi. Boa parte destes foca em afastar o eixo do eurocentrismo e popularizar uma Ficção Científica mais diversa, em personagens e temas.
New Weird
Acho até estranho falar de New Weird aqui sob o risco do Arthur Marchetto me ler, já que ele é um especialista neste subgênero. O New Weird transita ali na fronteira entre Horror, Fantasia e Ficção Científica, e, como antecipa o nome, busca causar estranhamento. O movimento é um herdeiro direto da Ficção Estranha, que tem em Lovecraft um de seus grandes expoentes. Não à toa, as criaturas lovecraftianas são indizíveis, indescritíveis, tamanha sua estranheza.
O New Weird vai além da Ficção Estranha ao romper com as convenções, se permitindo construir interseções com outros gêneros, como comédia. E atualiza esse estranhamento para o mundo de hoje, com diversidade e muitas vezes questões ambientais. Creio que a trilogia do Comando Sul, do Jeff VanderMeer, iniciada por Aniquilação, seja a obra mais famosa do subgênero. O filme homônimo dirigido pelo Alex Garland é outro ótimo representante. Junta-se a VanderMeer o China Miéville como os escritores mais conhecidos do New Weird. Seu livro Estação Perdido é uma boa indicação.
Afrofuturismo
Indo além da Literatura ou da TV, o Afrofuturismo é um movimento que permeia diversas formas de arte, como pinturas e música (tá aí a Janelle Monáe) e tem como característica principal partir de uma cultura de origem africana para abordar a tecnologia e a Ficção Científica. O filme Pantera Negra tornou o movimento conhecido no mundo todo.
Mas a mãe do subgênero como forma literária é a Octavia Butler, já que sua FC bebe na raiz diaspórica. O Afrofuturismo já é um movimento extenso, com livros e autores novos todos os anos, da N.K. Jemisin à Nnedi Okorafor. Além das obras já citadas, A Quinta Estação (Jemisin) e Binti (Okorafor) são bons representantes.
Climate Fiction (Cli-Fi)
O Cli-Fi é a Ficção Científica que aborda crises e mudanças climáticas, o que de certa forma é algo que já estamos vivendo, mas normalmente as obras extrapolam a situação atual. Há uma interseção com o Solarpunk, mas o Climate Fiction aborda também o aspecto mais pessimista e acaba abrangendo uma gama maior de temas.
Oryx e Crake, da Margaret Atwood, costuma ser uma obra sempre citada como representante do gênero, assim como Nova York 2140, do Kim Stanley Robinson.
Chaohuan (Ultra-Unreal)
O Chaohuan ou Ultra-Unreal, é o subgênero de origem chinesa, especializado em analisar a China atual sob o viés do Sci-Fi, com pitadas de Realismo Mágico. O nome Ultra-Unreal vem dos acelerados avanços tecnológicos chineses, de forma que extrapolá-los vai além do Realismo Mágico Latino-americano.
É considerado um subgênero que toca em questões da sociedade chinesa atual, mas de maneira indireta e filosófica, a partir de alegorias. Também é comum que a forma das obras seja complexa, com múltiplos pontos de vista ou narradores.
Bons exemplos seriam Sange Sanchongzou (Three Trios), de Ning Ken (2015), ou a trilogia iniciada por O Problema dos Três Corpos, do Cixin Liu.
Futurismo do Golfo
Assim como no Ultra-Unreal, o Futurismo do Golfo se refere à realidade bizarra sendo construída no Golfo Pérsico, nas cidades futuristas de Dubai, dos outros Emirados Árabes e do Catar. Lida com o isolamento tecnológico, as dualidades do Islã, o consumismo e o planejamento urbano futurista no meio do deserto.
As artistas Sophia Al-Maria e Fatima Al Qadiri propuseram o subgênero e têm em suas obras mais experimentais (e não literárias) exemplos, mas referenciam o livro Cyclonopedia: Complicity with Anonymous Materials, do filósofo Reza Negarestani, como o precursor. De certa forma, esse subgênero ainda está mais na academia que nas livrarias.
Um Filme: Crescendo Juntas
Essa foi uma quinzena completamente tumultuada, então só assisti a um filme. Mas pelo menos foi o sensível Crescendo Juntas, nome nacional de Are You There God? It’s Me, Margaret. Eu tenho um fraco por filmes coming-of-age e talvez um dia até escreva uma edição da newsletter sobre isso. Este é sobre garotas pré-adolescentes e suas angústias, um universo que não vemos representado com tanta frequência na mídia, que costuma focar mais em adolescentes e namoros ou bullying nas escolas, o que inclusive é o tema do filme anterior da diretora Kelly Fremon Craig, o também ótimo Quase 18.
A jovem atriz Abby Ryder Fortson carrega o filme com muita competência, possivelmente representando algumas de suas próprias experiências. E os demais membros do elenco são todos adoráveis, como a sempre divertida Kathy Bates e a dona de um dos sorrisos mais bonitos de Hollywood, Rachel McAdams, que se tornou mãe nos últimos anos na vida real e deve ter gostado de se ver no papel. Crescendo Juntas é um filme doce e que traz um olhar carinhoso para esse período da vida das mulheres.
Leia a minha opinião completa sobre o filme no Letterboxd: Crescendo Juntas
Onde ver: HBO Max
Um Livro: A Telepatia são os Outros, de Ana Rüsche
A Ana Rüsche é uma pessoa incrível e eu havia lido a versão anterior dessa história, publicada na Revista Mafagafo. Quando um clube de leitura em que estou a escolheu como leitura, sabendo que era curtinha, decidi encarar a versão em novela da Monomito. E gostei bastante dessa revisão. O foco da narrativa funciona melhor agora. Tematicamente continua tão fascinante quanto antes.
Leia a minha opinião completa no Goodreads: A Telepatia são os Outros
Outro livro que acabei neste mês: Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid, com tradução de Alexandre Boide
Uma Série: Loki, segunda temporada
A primeira temporada de Loki já era uma das melhores temporadas entre um mar de séries genéricas e mal desenvolvidas da Marvel. A única que pra mim estava acima era WandaVision, principalmente pela primeira metade. Porém, ao juntar com essa segunda temporada, afirmo agora que Loki é a melhor série do MCU.
O primeiro quesito é o técnico. Os cenários da TVA, em especial, são sensacionais em sua fusão de tecnologia com a aparência vintage. E a trilha sonora é muito eficaz ao auxiliar na construção da tensão. E se na primeira temporada a tensão vai sendo construída gradualmente, a segunda é intensa do início ao fim, embora os dois últimos episódios tragam uma proposta um pouco diferente.
Não me entendam mal, a série está longe de ser perfeita, tem uns acontecimentos meio desnecessários no meio da temporada e personagens interessantes poderiam ter ganhado mais espaço. Mas o carisma de Tom Hiddleston, de Ke Huy Quan e dos demais membros do elenco é suficiente para minimizar esses problemas. O final em si não é muito bem explicado, mas pra mim tudo bem ser assim. A gente só aceita. E visualmente é impactante.
Onde ver: Disney+
Um Podcast: Our Fake History
O canadense Sebastian Major está há pouco mais de oito anos produzindo o podcast Our Fake History, onde ele analisa momentos históricos e busca separar o que de fato aconteceu do que é ficção, e independentemente do que for, sempre rende boas histórias.
Quando resolvi ouvir podcasts em inglês, fui atrás de programas canadenses porque acho o inglês da região de Toronto mais fácil de entender. E assim encontrei o Our Fake History e logo fui envolvido pelos episódios sobre Cleópatra, a Arca da Aliança, Madame Blavatsky, a Rainha Vodu ou o Rei mais rico do Mali.
A temporada passada foi um pouco mais sem graça, com histórias menos empolgantes. Mas essa já no início trouxe uma trilogia fascinante sobre as bruxas de Salem. Ouçam a primeira parte no seu agregador favorito ou no link abaixo:
https://ourfakehistory.com/index.php/episodes/episode-187-what-bewitched-salem-part-i/
Uma Newsletter: Bom Proveito, por Gabriele Duarte
Eu estava sentindo falta de acompanhar uma newsletter focada em viagens e quando a Gabriele entrou num grupo de newsletters que frequento no Telegram e anunciou que ia enviar a primeira edição da sua, assinei logo. Já foram quatro edições enviadas, no momento em que estou escrevendo, e destaco a terceira, em que a Gabriele aborda suas visitas passadas e uma futura a Londres. Assim como ela, também senti que havia ali demasiadas opções de passeio e que caberia visitar a cidade muitas outras vezes e jamais me cansar.
Leiam vocês mesmos a terceira edição da newsletter Bom Proveito:
Ei, Elvis! Estou muito feliz por ter aparecido aqui. Voltei de Londres e adivinha? A lista de lugares para conhecer aumentou. É mesmo uma cidade inesgotável! Agora sobre esta edição da tua newsletter, que está super legal, entrei em contato com o Afrofuturismo quando reabriu um cinema de rua aqui do Porto e fui assistir Space is the place. Pirei, achei o máximo. O filme integrava uma mostra interessantíssima sobre Políticas do Sci-Fi: https://www.batalhacentrodecinema.pt/programmes/politicas-do-sci-fi/ Um abraço e obrigada!